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17 de agosto de 2011

Entrevista: Alexandre Callari

Apocalipse Multimídia 
 
Por Ademir Luiz 

 
O escritor paulista Alexandre Callari é um homem de seu tempo. Com formação acadêmica em Letras, tendo atuado como tradutor e professor, acredita que o futuro da literatura está na transformação do objeto livro em uma fonte multimídia, que incite e dialogue com o público contemporâneo. De um livro pode e deve sair trailers, filmes, séries, histórias em quadrinhos, figuras de ação etc. Alexandre Callari, ao lado dos parceiros Bruno Zago e Daniel Lopes, apresenta o videocast e o podcast do site Pipoca e Nanquim, um dos mais sofisticados fóruns de debate sobre cultura pop da internet. Dono de uma vasta biblioteca, que inclui mais de onze mil HQs, incluindo diversas raridades, é autor de quatro livros: “Brincando de Escrever” (Ed. Plêiade – 1999), “Evolução é uma Opção” (K2 – 2009), “O Dilema da Desatenção” (Editora Renata Jardini – 2010) e “Quadrinhos no Cinema” (Ed. Évora – 2011). Está lançando seu primeiro romance, “Apocalipse Zumbi – Os Primeiros Anos” (Ed. Évora – 2011), primeira parte de uma trilogia que deve virar uma HQ. Um projeto que os mais antigos diriam que “vai dar samba”. Homem de seu tempo, Callari já transformou em rock.

ADEMIR LUIZ: Sua produção, tanto escrita quanto no rádio e na internet, evidencia uma mescla entre a cultura erudita e a pop. Você fala de história, filosofia, alta cultura, mas também de HQ’s, rock, cinema etc. O cineasta Quentin Tarantino já se reconheceu como um artista fruto da geração TV, vídeo e vinil, que transformou essas influências em projeto estético. Fazendo uma auto-análise, você pensa parecido com ele?
ALEXANDRE CALLARI: Não exatamente. O que ocorre é que tenho formação acadêmica em Letras e trabalhei anos na área, dando aulas de português, inglês e literatura. Minha biblioteca particular é muito vasta e jamais me prendi a um único gênero ou estilo. Você encontra em minha casa livros teóricos de diversas áreas (História, Geografia, Física etc.); romances os mais diversos, dos grandes da literatura mundial como Melville e Dostoievsky até escritores contemporâneos, isso sem contar as centenas de subgêneros, psicologia, filosofia, livros técnicos, poesia. Eu realmente leio de tudo. Somado a isso vem duas paixões que me acompanham desde a infância, HQs e cinema. Fui músico em minha juventude e lancei vários CDs. Também tive treinamento formal em artes marciais e fui instrutor durante anos. Pode-se dizer que vivi várias vidas em uma e foi tudo isso que contribuiu para eu me tornar o artista que sou.
AL: Já publicou quatro livros e lança agora um quinto. Existe uma linha mestra que estabeleça uma unidade em sua obra?
AC: Não. Meu primeiro livro foi lançado em 1999, quando terminei a faculdade e se tratava de uma obra didática. Levei dez anos para lançar o segundo, “Evolução é uma Opção”, centrado na exposição de minha filosofia de vida, com base, principalmente, em meu treinamento marcial e vivência enquanto professor. O terceiro livro foi uma extensão direta do segundo. Finalmente, em “Quadrinhos no Cinema”, tive oportunidade de escrever sobre algo que adoro e, logo na seqüência, lançar meu primeiro romance. Sonho em escrever livros de terror desde que era garoto, então é realmente algo muito excitante para mim. Há uma cena que se passa no metro em “Apocalipse Zumbi” que está na minha cabeça há mais de quinze anos. Fico feliz que finalmente tenha conseguido tirá-la de lá!
AL: Ao lado de Bruno Zago e Daniel Lopes, seus parceiros no podcast e videocast Pipoca e Nanquim, você lançou recentemente o livro “Quadrinhos no Cinema”. As histórias em quadrinhos têm recebido muito atenção da mídia e da academia nas últimas décadas, sendo tema de diversas reportagens e norteando estudos científicos de pesquisadores importantes como Edgar Franco, Álvaro de Moya e Waldomiro Vergueiro. Nesse livro, vocês fizeram um recorte temático. Enfocam quatro super-heróis que tiveram adaptações cinematográficas lançadas em 2011: Capitão America, Thor, Conan e Lanterna Verde. Como você interpreta o ressurgimento do interesse por esses personagens, sobretudo considerando que a indústria da HQ está em crise? Os super-heróis, alguns com cronologias extensas e complexas, podem ser considerados mitologia moderna? 
AC: A indústria das HQs saiu da crise há algum tempo porque as grandes editoras acordaram para uma realidade: elas precisavam deixar de ser apenas editoras para se tornarem mega-empresas. Quando a Marvel Comics mudou para Marvel Entertainment, muita gente reclamou, mas agora que vemos esses filmes fantásticos chegando às telas, todo mundo vibra. Jamais voltaremos a ter as tiragens de 01 ou 02 milhões de exemplares que HQs tinham no passado, mas, ao mesmo tempo, nunca vimos tantos títulos disponíveis em banca/livraria e tantas editoras publicando. Nos anos 1980 e 1990, eu conseguia comprar absolutamente tudo o que saia. Hoje é impossível. Isso não me parece um mercado em crise. Quanto à segunda pergunta, há algum tempo defendo essa ideia: os super-heróis são a mitologia moderna, tal qual os heróis mitológicos do passado o foram para os gregos, cristãos, egípcios, indianos, chineses. Esse é um assunto sobre o qual inclusive tenho uma palestra montada, ministrada já em algumas ocasiões.
AL: O título de seu novo livro é “Apocalipse Zumbi”. O tema zumbi já foi trabalhado sob diversas perspectivas. George Romero, o patriarca do gênero no cinema, interpreta-os como uma metáfora ao consumismo moderno. Wade Davis analisou o fenômeno dos zumbis haitianos sob o ponto de vista da antropologia, no livro “A Serpente e o Arco-íris”, que foi transformado em filme por Wes Craven em 1988. Isaac Marion, no romance “Sangue Quente”, humaniza o morto-vivo, lhe dá consciência. Até a Marvel zumbificou seus personagens. Qual é sua perspectiva sobre o zumbi? O que seus mortos-vivos representam, para além de máquinas devoradoras de cérebros?
AC: Meus zumbis são epidêmicos, um misto do que Romero fez com o que é mostrado no filme “Extermínio”, de Danny Boyle. O grande desafio de minha história foi contar uma narrativa de terror/fantasia, mas torná-la algo mais que isso, sem que ela virasse necessariamente um texto "cerebral". Vou esclarecer: o livro foi concebido para fãs da cultura pop e grande parte dessa galera não está disposta a ler algo de alta complexidade. Isso se reserva a um pequeno nicho. O desafio é satisfazer ambos os públicos. e a maneira para se fazer isso é criar camadas para a obra. Um bom exemplo é o filme “Matrix”. Muita gente o assiste entendendo-o apenas como um filme de ação. Quem pensa a respeito, descobre a filosofia que está por trás, nas entrelinhas: Platão, Descartes etc. “Apocalipse Zumbi” trata da ruína da civilização e a tentativa de reerguê-la. Mas até que ponto e em quais aspectos a civilização já não está arruinada? O homem enquanto ser social tornou-se exatamente o que? Quais são os contendores da violência e da loucura? Como funciona a psique dos seres humanos em um mundo que ruiu? Eu vejo que a maior parte das pessoas só quer viver suas vidas sossegadamente, sem se envolver em problemas, política, nacionalismo. Como essas pessoas reagiriam em um mundo no qual foram obrigadas a se despir de todos seus valores, onde pai matou filho para sobreviver, e as regras se foram? Há o medo de ser canibalizado, consumido pela maioria. Ou tornar-se uno com ela. Resistir é a única opção? Se a maioria é a regra, ela estará errada, mesmo que essa regra seja hedionda? Trabalho com quatro focos narrativos diferentes, dezenas de personagens, flashbacks em quase todos os capítulos mostrando os dias em que a epidemia eclodiu; tudo isso em uma história que se passa em apenas 24 horas.
AL: Uma epidemia zumbi sempre remete ao fim dos tempos. Seu livro, que têm a palavra “apocalipse” no título, renova a tradição. Pode-se dizer que o fim do mundo está em evidência na literatura contemporânea, vide “A Estrada”, de Cormac McCarthy, ou o best-seller nacional “A Batalha do Apocalipse”, de Eduardo Sporh. Como esses dois exemplos ilustram muito bem, esse julgamento final da humanidade é, invariavelmente, resultado ou da ação humana ou da ira divina. Seus zumbis são anomalias biológicas ou seres místicos? Como sua opção direciona o sentido interno da narrativa?
AC: Meu livro não é estrelado por uma grande figura do governo, um agente da CIA ou um bio-geneticista que tenha todas as respostas. Não há respostas. As pessoas comuns nunca têm as respostas. Se eu perguntar a qualquer um neste exato instante o que está acontecendo em Brasília, lá no Planalto, as pessoas não teriam as respostas. Quem lê O Estado de São Paulo tem respostas diferentes de quem assiste ao Jornal da Globo. Assim como quem lê a revista Veja tem respostas diferentes de quem lê a Época. Quem não lê nada, também encontra suas respostas, em Igrejas, Templos, ou em garrafas de pinga. Mas a verdade é que ninguém sabe o que acontece por baixo dos panos. Não sabemos as verdadeiras razões da Guerra do Vietnã, tanto quanto não sabemos o que de fato motivou a invasão ao Iraque. Foi petróleo, terras, justiça, vingança? As pessoas comuns vivem em um supremo estado de ignorância, enquanto o mundo é feito por poucos e só o que sabemos sobre o mundo é o que esses poucos decidem nos revelar. Essa é a dura verdade. Portanto, em minha história, vivida por pessoas comuns, não há respostas. Só há a dura e cruel sobrevivência diária. Ainda assim, como que em uma redenção para o leitor exigente, ofereço um capítulo com alternativas - ainda que nada seja factível.
AL: Foi produzido um trailer de divulgação de seu romance. Você inclusive atua como ator, ao lado de Daniel Lopes e Bruno Zago. Atualmente, discute-se muito sobre o futuro do objeto livro, se ele vai sobreviver ou não. Você acha que inserir a narrativa literária num contexto multimídia pode ser uma alternativa? Criar subprodutos da obra principal? As novas gerações, tão acostumadas com adaptações cinematográficas de HQ’s e livros, podem ser seduzidas pelo universo das letras por meio de imagens e sons?
AC: O futuro está na interatividade - disso não tenho dúvida. O que temos hoje não é mais um conflito entre linguagens, mas sim mídia suportando mídia. Veja um exemplo recente. O livro “Game of Thrones” virou série. Isso fez com que muita gente lesse a obra original. A série terá continuidade, então os demais volumes também irão vender mais. A HQ já foi anunciada, o que permitirá uma expansão do universo. Bonequinhos são lançados e os pais os compram para seus filhos. Daqui a alguns anos, essas crianças estarão na idade de ler os livros e a série de TV estará na quinta ou sexta temporada, se aproximando de seu final. O público será renovado, tanto da série, quanto dos livros, pois as crianças que tinham os bonecos terão curiosidade de ler a história. Esse é o futuro! Alguns podem chamar de um puro movimento mercadológico, mas eu acho tremendamente excitante, é algo que abre mil possibilidades. Tanto que, neste exato instante a HQ “Apocalipse Zumbi” já está em fase de produção e a previsão é para março do ano que vem. O livro mal chegou às lojas e não sabemos se ele irá vender, mas o projeto foi pensado como uma trilogia, com a produção de um vídeo, uma trilha sonora, contos extras para o site e agora a HQ. É uma valorização enorme do leitor - e não uma exploração!
AL: O trailer de “Apocalipse Zumbi” parece feito para um filme. Não se limita a fazer uma leitura dramática do romance. Ele é bastante dinâmico, com ritmo rápido e valorizando a aventura. Como foi o processo de produção? É verdade que os personagens interpretados por Bruno Zago e Daniel Lopes foram inspirados neles mesmos? As cenas e personagens mostrados no trailer estão presentes no livro ou basicamente represente sua atmosfera?
AC: A proposta desde o início foi fazer o trailer para o livro como se fosse o trailer de um filme. Tanto que ao ler os comentários das pessoas, muita gente pergunta quando o filme será lançado, mesmo aparecendo a capa do livro no vídeo. A produção foi um sonho. Ocorreu durante uma semana em Araraquara e todos os envolvidos cederam seu tempo e talento para participarem, sem ganhar um tostão. Na verdade, a própria produtora Spline fez tudo absolutamente de graça, apenas pelo prazer de preparar um projeto como esse, que vai além do que eles costumam fazer, como vídeos institucionais e comerciais. Tivemos um processo muito similar ao cinema, com um roteiro desenvolvido previamente, busca de locais para locações e seleção de atores, pois mesmo sendo todos amadores, precisávamos buscar gente compatível com os personagens do livro. Assim, a maior parte das cenas que vemos no trailer realmente ocorre na obra. Bruno e Daniel realmente inspiraram dois personagens. Foi algo que prometi a eles desde o começo, e nos divertimos bastante durante o processo todo.
AL: Vem encartado com “Apocalipse Zumbi” um CD com sua trilha sonora. Você participou da composição ou gravação das músicas? Como funciona a trilha sonora de um livro?
AC: A trilha sonora nada mais é do que canções compostas por mim (letra e música) e arranjadas e tocadas pela banda Dream Vision, que se passam dentro do universo do livro. Assim, temos a canção “Dujas” que fala sobre um o vilão da história, e também “Conflitos de Amor”, que se relaciona ao triângulo amoroso que existe entre Manes, Lisa e Zenóbia. Ao mesmo tempo, as músicas são independentes e o CD funciona mais como um benefício agregado ao leitor roqueiro. Creio que se o leitor não apreciar o estilo, certamente não curtirá o material.
AL: Em “Quadrinhos no Cinema” um dos personagens analisados é o Capitão América. Em alguns países, temendo pela bilheteria, a Marvel lançou o filme apenas como “O Primeiro Vingador”. Como você interpreta essa rejeição prévia ao personagem? Acha que o filme pode alimentar o antiamericanismo ou, pelo contrário, ajudar a minimizá-lo?
AC: A rejeição ao longa-metragem é um medo real por conta da onda de antiamericanismo que tomou o mundo de assalto, principalmente durante a Era Bush. Mas ao mesmo tempo, penso que mudar o nome não passa de uma medida paliativa, uma grande besteira. Quem irá assistir ao filme do Capitão é por que gosta do personagem ou porque, no mínimo, quer vê-lo em tela e está curioso. Quem não gosta, não irá assistir independente do título. Não assisti ao longo ainda, mas gosto de pensar que ele irá ajudar a minimizar o antiamericanismo.
 

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