Páginas

20 de março de 2011




     Apesar de grande parte da esquerda cinéfila negar, o prêmio anual da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, o Oscar, é a honraria mais importante do cinema. É possível rebater essa afirmação replicando que Ela não possui o mesmo prestígio intelectual de um Urso de Ouro do Festival de Berlim, do Leão de Ouro de Cannes ou mesmo do Kikito de Gramado, mas é inegável que a visibilidade é infinitamente maior. Milhões de espectadores ao redor do mundo assistem sua transmissão televisiva. Muitos para ver vestidos, muitos para ver estrelas, mas sempre sobra um tempinho para a Sétima Arte. Pessoas pouco afeitas a cinefilia discutem indicações, procuram saber quem venceu, às vezes até se interessam em assistir os filmes mais badalados. Para o Brasil, apesar de todos os prêmios internacionais de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, “Central do Brasil” ou “Cidade de Deus”, ganhar um Oscar de Filme Estrangeiro tornou-se um dilema, quase tão novelesco quanto vencer o torneio de futebol nas Olimpíadas.
     Apesar das críticas, o Oscar é uma láurea teoricamente justa. Trata-se de uma eleição direta, com milhares de votantes. Ao contrário de um Festival, onde diversos fatores, de financeiros até sexuais, podem influenciar o júri, é virtualmente impossível subornar toda a Academia. Pode-se tentar, é claro, mas não se compra uma estatueta. Se injustiças ocorrem, e elas são comuns, se deve mais as imperfeições inerentes ao processo democrático do que a manipulação deliberada. Os humores do conjunto da Academia são cíclicos: costuma privilegiar a fórmula clássica do cinema espetáculo, mas às vezes tende ao vanguardismo, ao cinema independente. Cada ano é um ano.
E como foi 2011? Em primeiro lugar, “Lixo Extraordinário”, co-produção Brasil/Inglaterra disputando na categoria de Melhor Documentário, é preciso ser justo, foi derrotado com justiça. Apesar de bem-feito, peca pelo tom condescendente e politicamente correto. “Trabalho Interno”, o vencedor, é mais focado e instigante.
     Os resultados nas categorias de interpretação foram irrepreensíveis. O Oscar de Atriz Coadjuvante para Melissa Leo, de “O Vencedor”, não gerou polêmica. Tal mãe, tal filho. Christian Bale, seu rebento no filme, foi o Melhor Ator Coadjuvante. Nenhuma surpresa. Apesar das boas interpretações de Rush, Ruffalo e companhia, o nome de Bale era certo. Apesar do temperamento esquentado, ele é um dos atores mais versáteis de sua geração: foi menino prodígio em “O Império do Sol”, consegue ser galã e fica feiíssimo se o papel pedir, como em “O Operário”, fez Shakespeare muito bem em “Sonho de uma Noite de Verão”, criou o melhor John Connor até então em “O Exterminador do Futuro 4 – a Salvação”, e, finalmente, é o único Batman sério da história do cinema.
     O Oscar de Melhor Ator para Colin Firth, o monarca gago de “O Discurso do Rei”, foi uma reparação pelo ano anterior, quando sua atuação irrepreensível em “Direito de Amar” perdeu para a simpatia d´O Cara Jeff Bridges. Outro tiro certo. Ao contrário de Natalie Portman. Apesar de ser favorita para Melhor Atriz, por “Cisne Negro”, a sombra do prestígio de Annette Bening, de “Minhas Mães e Meu Pai”, era uma ameaça real. A Academia, como já ocorreu diversas vezes, poderia considerar que a jovem Portman teria outras oportunidades, optando por homenagear Bening. A bailarina Ludmila Rodrigues disse-me que, apesar dos meses de preparação, Natalie Portman não está tecnicamente convincente nas cenas de dança. Apesar disso, aos olhos leigos é muito difícil não se impressionar com sua atuação multifacetada. Ao final, o excepcional diretor de atores Darren Aronovsky, não pôde laurear sua Fera, Mickey Rourke, em 2008, com “O Lutador”, mas conseguiu dar o troféu para sua Bela. Ironia de sabor platônico: o bom, o belo e o justo andam juntos.
Aliás, Aronovsky, ao lado de David Fincher, de “A Rede Social”, e o ausente Christopher Nolan, de “A Origem”, foram os grandes injustiçados da noite. Três dos maiores talentos do cinema contemporâneo foram preteridos em função do apenas competente Tom Hooper. Os irmãos Coen não estavam na disputa real, tendo sido premiados recentemente por “Onde os Fracos Não Têm Vez”. David O. Russell, de “O Vencedor”, era um azarão.
     Se o prêmio para Hooper foi anticlimático, o mesmo não se pode afirmar sobre sua criação: “O Discurso do Rei”. No Oscar existem sempre três tipos de concorrentes à Melhor Filme. Àquele que deveria vencer, àquele que deve vencer e àquele que pode vencer. O filme que deveria vencer era “Cisne Negro”, a única obra-prima na disputa. O filme que poderia vencer era o ótimo “A Rede Social”, que ganhou força na segunda metade de 2010, quando começou em Hollywood uma estranha campanha contra “A Origem”. O BBB, bom, bonito e barato, “O Discurso do Rei” era o filme que deveria vencer. E venceu. Os outros sete títulos eram figuração: “Toy Story 3” garantiu seu prêmio de Melhor Animação. “O Vencedor”, “Inverno da Alma” e “Minhas Mães e Meu Pai” fizeram número. “Bravura Indômita” também padecia do efeito “Onde os Fracos Não Têm Vez”. “A Origem” não tinha chance. E quanto ao ótimo “127 Horas”? Provavelmente era uma piada interna dos acadêmicos quanto ao tempo de duração da cerimônia.


Ademir Luiz é doutor em História e professor da UEG, autor do romance “Hirudo Medicinallis”.  



0 comentários:

Postar um comentário

:a   :b   :c   :d   :e   :f   :g   :h   :i   :j   :k   :l   :m   :n   :o   :p   :q   :r   :s   :t