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13 de abril de 2011

Entrevista com Edgar Franco

Um artista pós-humano
Por: Ademir Luiz & Ligia Carvalho
É muito fácil sentir-se um caipira conservador perto do Edgar Franco. A figura física é incomum, a figura intelectual ainda mais. Roupas escuras, cartola, cabelos longos, barba ao estilo de Abraham Lincoln, vegetariano, líder de uma banda performática gravada por selo internacional, arquiteto de formação, versado em alta-tecnologia, criador de um vasto universo ficcional, cosmopolita, culto e com senso de humor afiado.

Não fosse o reconhecido autor de considerável produção acadêmica, tivesse RG, emprego e endereço fixo, poderia ser confundido com um personagem de Tim Burton. Mas Edgar Franco existe, e muito. É professor da FAV, Faculdade de Artes Visuais e do Programa de Doutorado em Arte e Cultura Visual da Universidade Federal de Goiás, e atualmente cursa pós-doutorado no LART – Laboratório de Pesquisa em Arte e Tecnociência, Gama/UnB. Nessa entrevista ele falou sobre seus múltiplos interesses, sua produção artística e acadêmica, e, principalmente, sobre essa nossa humanidade desumana e o pós-humano. 


Ademir Luiz: O senhor se formou em Arquitetura e Urbanismo na UnB, fez mestrado em Multimeios, estudando Histórias em Quadrinhos, na Unicamp, e doutorado em Artes Plásticas na USP. Paralelamente, desenvolveu um reconhecido trabalho nos campos da música performática e da produção de HQ’s conceituais. Em suma, para além de pesquisador, produz, e é referência, em sua área. O senhor considera importante essa experiência da práxis entre os acadêmicos que pesquisam os fenômenos da contemporaneidade, época marcada pela interatividade? Em outras palavras: é fundamental para o acadêmico colocar a mão na massa e ser também um criador?
Edgar Franco: Essa questão é instigante e vou ser sincero contigo: sem prática a teoria é somente ficção! Vou mais longe, eu acredito que o mundo ocidental foi contaminado por uma verborragia sem fim, a linguagem escrita evoluiu de maneira sórdida por esses lados do globo, pois numa certa medida ela tornou-se mais importante do que aquilo que tenta representar ou explicar! Muitas vezes tratados acadêmicos que se propõem a analisar um fenômeno, engolem o fenômeno, ou melhor, passam a ter mais importância do que o fenômeno no contexto da cultura. Outro exemplo contundente são as religiões preponderantes no ocidente, no princípio a religião era a busca da transcendência; busca por outros níveis de consciência, o ritual tinha o papel de criar essas conexões, como ainda tem em algumas práticas do oriente – a meditação é um bom exemplo. Mas por aqui a religião tornou-se mais um universo da verborragia. A filosofia oriental é a da ação, a filosofia ocidental a dos tratados verborrágicos. A coisa é tão ridícula que um diretor de uma faculdade de filosofia de uma grande universidade brasileira disse que tudo que já podia ser escrito sobre o homem já foi escrito pelos grandes filósofos e agora o papel da universidade é analisar esses discursos! Isso é deprimente, dezenas de teóricos engessados que passam anos de sua vida interpretando, como engajados hermetistas, o que outros disseram sobre o homem e a vida e com isso esquecem de viver, ou seja, de terem suas próprias vidas e chegarem às suas conclusões sobre o que é o viver. Com isso vamos vivendo a vida dos outros! Num contexto como o do Brasil, uma cultura que sofre com esse estigma da colonização, eu vejo centenas de acadêmicos engomadinhos que repetem os discursos importados, principalmente da Europa, e não conseguem produzir seu próprio pensamento. Precisam de muletas pra viver, usam as palavras e conceitos dos pensadores da moda e ou os clássicos pra esconderem sua mediocridade, sua falta de coragem pra experienciar a vida e pra chegar às suas próprias conclusões sobre o mundo. São os chamados “papagaios de pirata”, vão repetir as idéias alheias e morrerem vazios! Eu não digo que devemos nos isolar, de forma alguma, temos que nos contaminar de todas as reflexões, conhecermos o que pensam nossos pares pelo mundo afora, mas daí a ficar replicando a experiência dos outros, isso não! Eu me dou o direito de VIVER, me dou o direito de ter minhas próprias ideias sobre o mundo e a vida, podem não ser as melhores, mais requintadas, ou na moda, mas são minhas ideias! A EXPERIÊNCIA sobrepuja sempre para mim a TEORIA! Por isso se alguém que teoriza sobre um assunto não tem experiência prática não me interessa! Teóricos da fotografia que não fotografam? Críticos literários que nunca escreveram um poema? Filósofos que se dedicam a analisar a obra dos outros? Para mim isso é verborragia, nada de verdadeiramente transformador pode nascer da simples metodologização, não tenho tempo a perder com isso! Pra você conhecer todo e qualquer fenômeno você precisa experiência-lo, pois todo o resto será PURA FICÇÃO! Então, pra mim o ato criador está sempre em primeiro lugar, pois ele é a vivência completa daquela forma de expressão, toda a minha produção como teórico nasce do ato criativo, são indissociáveis a criação e a teorização! Eu vejo que a falta de experiência e o mergulho das pessoas na teoria pura as embrutece, produz dogmas, as entristece, as enfeia, por isso os acadêmicos, principalmente os das ciências humanas, amam as teorias mais desesperançosas e niilistas, elas refletem o vazio de suas vidas, vidas não vividas.
AL: Seu traço é bastante particular e marcante, basta olhar uma obra sua para reconhecer a autoria. Ao mesmo tempo, é possível identificar traços de influência de artistas como Salvador Dalí, H. R. Giger, Francis Bacon e até algo de Moebius. Trata-se, claro, da primeira impressão. Quais foram os artistas responsáveis por sua formação? Quem o influenciou?

EF: Primeiro fico feliz em saber que meu traço tem essa marca autoral, no entanto tomo muito cuidado com isso pra que eu não crie uma armadilha que irá me aprisionar, ou seja, que eu passe a acreditar que cheguei na fórmula perfeita, meu traço peculiar, pois o que acontece com os artistas que chegam a esse tipo de conclusão é a morte completa de seu trabalho, começam simplesmente a repetir essa fórmula e sua arte morre com esse veneno enebriante do ego chamado ESTILO! Devido a isso tenho experimentado criar em outras mídias, suportes e até reinventar o meu desenho experimentando com novas possibilidades gráficas. Na verdade essa identidade de meu traço começou cedo, aos 17 anos já lia pessoas dizendo isso sobre as HQs que eu publicava em fanzines. O motivo principal é que nunca copiei desenhos. Sempre fui resistente à cópia, meus amigos que desenhavam amavam copiar os desenhos dos artistas que gostavam e eu resistia, queria desenhar do meu jeito. Isso fez com que meu traço demorasse mais para se desenvolver, mas logo já apresentava essa autoralidade. Eu usava fotos em revistas como base pra estudar desenho, mas copiar outros artistas, nunca. Obviamente minha mente subconsciente foi contaminada pelos artistas que amo, entre eles grandes surrealistas como Dali e Giger, também pintores medievais como Bruegel e Bosch, pintores magos como William Blake e Austin Osman Spare, bem a lista é enorme. Nos quadrinhos a linha clara francesa sempre foi sedutora pra mim, e os meus artistas preferidos são os franceses Phillipe Druillet e Caza que curiosamente só conheci aos 19 anos de idade porque reconheceram semelhanças entre seus trabalhos e os meus, ou seja, eu já fazia um trabalho de fantasia filosófica antes de conhecê-los. No Brasil tenho dois amigos quadrinhistas, dos mais criativos gênios do mundo em minha opinião, que são uma fonte de inspiração: Gazy Andraus e Antônio Amaral. Mas meu trabalho com os quadrinhos e como artista multimídia sofre contaminações de outros meios e mídias, como o cinema. Poderia ficar horas citando diretores e filmes, mas vou me restringir a algumas obras no terreno da FC que inspiraram a criação de meu universo ficcional da Aurora Pós-humana: Tetusuo - The Iron Man (do diretor Japonês Shinya Tsukamoto), eXistenZ & Videodrome (do diretor canadense David Cronenberg), A.I. (de Kubrick & Spielberg), Pi (do diretor norte americano Darren Aronofsky), Hardware (de Richard Stanley) e Gattaca (de Andrew Niccol). O universo literário também é um rico manancial, comecei a ler muito cedo, influenciado por meu pai. No início gostava de romances de horror e aos 12 anos já tinha lido a obra completa de Edgar Alan Poe. Posteriormente passei a me interessar por múltiplos assuntos, de filosofia a esoterismo, passando por FC e antropologia, também futurismo, tecnologia e transcendentalismo, nessa perspectiva destaco as obras de pensadores como R.A.W., Terence MacKenna, Buckminster Fuller, Teilhard de Chardin, Aldous Huxley, Madame Blavatsky, John C. Lilly, Aldous Ruxley, Tim Leary, Giordano Bruno, John Dee, Rupert Sheldrake, Ken Wilber, P.K.Dick, Crowley, Stanislav Grof, Jodorowsky, Ray Kurzweil, Hans Moravec, Vernon Vinge e também pelas criações de artistas pós-humanos como: Orlan, Mark Pauline, Natasha Vita More, Stelarc, Roy Ascott e Eduardo Kac. Sofro todas essas contaminações, mas busco em meu ato criativo retratar o que experiencio em meus estados ordinários ou alterados de consciência, para mim criar é tocar sutilmente a essência do cosmos!
AL: Em sua produção quadrinística, destacadamente na série de álbuns ilustrados “Artlectos e Pós-Humanos”, a composição dos ambientes é bastante elaborada. Encontramos desde arranha-céus ultra-tecnológicos até torres medievais. Enquanto artista com formação em arquitetura e urbanismo, qual a importância do cenário para a construção do sentido da narrativa? Ele o define ou é uma moldura?
EF: Bem, ultimamente a arquitetura dos corpos pós-humanos de meu universo ficcional tem sido muito mais instigadora de minhas criações do que o espaço da urbe pós-humana! O fato é que todo o espaço projetado pelo homem e para o homem tem como estruturador o corpo humano, ele tem sido a base de tudo, inclusive das medidas como palmos, pés, o sistema decimal baseado nos 10 dedos das mãos, enfim o corpo humano é a base para a criação de tudo que nos envolve, o homem Vitruviano de Da Vince, o Modulor de Corbusier. Existe até uma disciplina dedicada a esse estudo: a ergonomia. Agora imagine que com a mudança drástica desse corpo, se, de repente, como propõe o artista e provocador australiano Stelarc, nós tivermos uma terceira orelha em um braço, como será essa nova arquitetura? O que mudará? Em meu mundo pós-humano procuro sempre criar arquiteturas inusitadas, uma arquitetura que tenha a organicidade das criaturas de meu mundo, que dialogue esteticamente com os seres que o habitam. Isso vai na contramão do pensamento modernista da arquitetura e urbanismo que praticamente apartou a arquitetura dos homens, objetificou-a, aliou-se ao projeto da indústria e do capital, simplificou tudo, vulgarizou, tomou como modelo básico de espaço o cubo branco, enquanto na época das construções das catedrais góticas os construtores queriam tocar Deus! Mas voltando para as HQs, a arquitetura é sempre um elemento presente e a dinamicidade de sua importância vai depender dos interesses narrativos do artista, em certos casos ela ganha uma importância chave, como no álbum “Ronin” de Frank Miller em que a bioarquitetura auto-replicante e autônoma reconfigura todos os ambientes, ou ainda no célebre álbum de Will Eisner, “ O Edifício”, em que toda a ação narrativa tem como eixo o edifício do título. Acredito que os jovens arquitetos em formação deveriam lançar um pouco mais o olhar para os mundos fantásticos dos quadrinhos, buscar inspiração na fantasia, ousar mais. A contaminação tardia do modernismo permanece e a arquitetura contemporânea me parece tão sem graça, sem vida, sem sonho, utilitarista, chata, cansativa. Com a tecnologia que temos hoje poderíamos viver em espaços como os dos mundos do quadrinhista francês Druillet, mas continuamos em cubos brancos (que incluem alguns arabescos pra disfarçar a falta de inspiração).
 AL: Umberto Eco defende que a construção de um romance é um fato cosmológico. Quem escreve um livro cria um universo. Essa observação pode se estender tranquilamente para a produção de HQ’s. É o que o senhor está fazendo. Seu mundo pós-humano possui história, geografia, fauna e flora próprias. Como surgiu esse projeto? Desde o início a pretensão era criar um universo ou suas fronteiras foram se dilatando mais e mais, quase que espontaneamente, a cada obra que produzia?
EF: Sim Eco está certo, e eu tenho uma teoria sobre a criação de mundos ficcionais: muito dificilmente um criador de mundos ficcionais irá promover a guerra! Quando você cria um mundo, uma cosmogonia, você tem que usar empatia, tem que colocar-se no lugar do outro, pensar como ele poderia estar pensando naquela situação, e isso nos torna menos dogmáticos, mais receptivos à visão de mundo dos outros, mais solidários, menos autocentrados e egocêntricos. Imagine você que na trilogia em quadrinhos BioCyberDrama, roteirizada por mim e desenhada por Mozart Couto, eu criei cerca de 100 personagens, e eu tive que imaginar cada um deles, a visão deles dentro da situação que experienciavam, como se portariam segundo seu histórico de vida, suas personalidades, sua forma física, eu tive que vivenciar esses quase 100 papéis, fui um pouco de todos eles, desdobrei-me! A cada nova criação assim me sinto mais tolerante para com as pessoas em geral, me vejo mais doce, menos presunçoso, a minha empatia cresce no mundo real na medida em que surgem novas personagens em meu mundo ficcional! Eu sugiro aos educadores uma disciplina obrigatória chamada “Criação de Mundos Ficcionais” que deve ser ensinada em todas as séries dos ensinos fundamental e médio, considero uma disciplina como essa tão importante quanto matemática e português! Na verdade eu sempre desenvolvi narrativas em mundos de ficção com regras estabelecidas, nas minhas HQs curtas eu gerava pequenos mundos ficcionais restritos. Há dez anos senti a necessidade de estruturar esse mundo que chamei posteriormente, no doutorado, de “Aurora Pós-humana”. Trata-se de um mundo em processo emergente, expandindo-se e agregando novas características de acordo com minhas novas experiências. É o universo ficcional que serve de base para todas as minhas obras nas mais diversas mídias e suportes, um legítimo universo transmidiático, mas de pretensões expressivas e não ligado aos objetivos comerciais que permeiam a maioria dos universos transmídia.
AL: Em seu livro “HQtrônicas – do Suporte Papel à rede Internet”, o senhor problematiza a questão da leitura em mídias virtuais. Qual sua perspectiva sobre a polêmica questão acerca da sobrevivência ou não do livro tradicional?
EF: Na perspectiva de McLuhan, o visionário comunicólogo canadense, uma mídia não supera a outra ou a substitui, concordo com ele, pois quando o cinema surgiu decretaram o fim do teatro, já a TV seria a morte do cinema e assim por diante, de certa forma muitos suportes midiáticos também não substituem os seus antecessores. O livro, como o conhecemos, tem uma tradição histórica milenar e sua resistência ao tempo é muito grande, é um formato que não depende de um aparelho decodificador ou fonte de energia para alimentá-lo, portanto ainda apresenta muitas vantagens em relação aos formatos digitais. Vamos brincar um pouco: seu navio naufraga e você consegue ir até uma ilha deserta, seu e-book com 3000 livros se molhou e pifou, mas a maré trouxe alguns livros encharcados de outros tripulantes do navio que não sobreviveram, eram 11 livros, eles secaram ao sol e foram sua companhia por um ano até te encontrarem! É uma situação hipotética, utilizo-a para reforçar como o livro ainda é um objeto “robusto” em muitos sentidos. O biólogo e Ph.D. inglês James Lovelock, autor da Teoria de Gaia, vislumbra um futuro muito obscuro para a humanidade dentro das próximas décadas devido ao aquecimento global induzido pela ação de nossa espécie. Uma das consequências vislumbradas por ele é a de um total colapso energético planetário e diante disso toda a informação digital não poderá ser acessada, e se conseguirmos reverter a situação será pelos livros. No final de seu livro “A Vingança de Gaia” ele chega a sugerir a redação de um manual com todos os princípios básicos da ciência e da tecnologia, um manual que poderia ajudar a humanidade a se reerguer após o colapso. Dito isso, esclareço minha empolgação com as possibilidades dos formatos digitais, pela dinâmica da convergência midiática, pela sinestesia e envolvimento que essas formas híbridas de leitura envolvem. As HQtrônicas – histórias em quadrinhos eletrônicas, neologismo criado por mim, são uma das novas linguagens intermídia emergentes, hibridizam características dos quadrinhos tradicionais em suporte papel com as possibilidades abertas pela hipermídia, tenho investigado esse fenômeno midiático convergente desde a metade da década de 1990.
AL: Assisti uma apresentação musical-performática de sua banda, a Posthuman Tantra, numa universidade. As reações foram adversas. Enquanto algumas pessoas aplaudiam em cena aberta, outras se retiraram indignadas com as insinuações sexuais e de violência. Ao que o senhor atribui esse tipo de atitude conservadora por parte de membros da comunidade acadêmica?
EF: Pra responder essa questão resgato o pensamento de um dos maiores artistas contemporâneos, o quadrinhista inglês Alan Moore, que, como eu, se declarou mago: um manipulador de símbolos visando a mudança da percepção de mundo! Moore ressalta que o verdadeiro artista dá às pessoas “o que elas precisam” e não “o que elas desejam”! A arte foi engolida pelo entretenimento no Século XX, e o senso comum passou a considerar o entretenimento vazio produzido pelo mundo da mídia de massa como arte. Veja que até as nulidades que participam de reality shows são consideradas “artistas”. A publicidade, um mundo repleto de “magos negros”, atua no status quo manipulando símbolos simplesmente para induzir ao consumo. A publicidade é limpa, polida, bela, com rostos jovens, famílias bem nutridas, tudo é asséptico, quase hospitalar, nesse mundo idealizado da indução ao consumo. A linguagem visual da publicidade é a linguagem dominante do mundo globalizado, ela dita regras para os outros sistemas imagéticos, ela contamina todos os meios áudio-visuais, então como artista eu me insurjo contra essa assepsia dissimulada, uma pseudo-limpeza que encobre a sujeira da destruição do planeta e das outras espécies em detrimento do lucro de alguns. As pessoas que saíram da sala de espetáculo durante a nossa apresentação me deixam orgulhoso, pois tenho certeza de que meu objetivo artístico está alcançando resultados. Não existe arte verdadeira que não provoque e não incomode! Além disso, as insinuações sexuais de nossa performance não são nem um pouco mais agressivas do que dançarinas praticamente nuas insinuando sexo anal em danças grotescas nas TVs aos domingos, no entanto a embalagem que envolve essas dançarinas é a da assepsia publicitária, então isso é aceito e louvado pelas mentes subjugadas pelo controle mágico das multinacionais. Nossa performance nega essa assepsia e recontextualiza a manipulação simbólica e conceitual desses elementos, no caso da insinuação sexual fazemos uma reflexão sobre o tecnofetichismo emergente. Também temos muito de doce e sutil em nossa narrativa multimidiática, se você abrir sua percepção sem preconceitos poderá perceber isso ao assistir nossa apresentação. O Posthuman Tantra tem se apresentado em eventos acadêmicos em vários locais do país, como no II Seminário Nacional de Pesquisa em Cultura Visual (UFG – Goiânia), no 9º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia (Brasília - DF), 10 Dimensões da Arte e Tecnologia (UFPB – João Pessoa) e no 1º Encontro de Quadrinhos da UEG (Anápolis), a proposta tem chamado a atenção do mundo acadêmico por ser inusitada e algo iconoclasta e a recepção geral é sempre essa: amor ou ódio, poucos ficam indiferentes diante da performance. O Posthuman Tantra é para mim um espaço artístico-ritual, nas apresentações assumo de fato o meu papel de “cyberpajé”, manipulando símbolos e sigilos objetivando a modificação da realidade! Sei das dificuldades de nos insurgirmos contra o império das multinacionais e seu conglomerado de “magos negros” (as grandes e “premiadas” agências publicitárias globais), mas de forma quixotesca eu aceito o desafio, pois para mim não existe verdadeira arte senão aquela que busca transformar o mundo. A penetração de minha obra é muito restrita, mas quem sabe através da ressonância morfogenética alguns dos memes presentes em minha arte não sobrevivam e perpetuem-se no seio da cultura.

Pra concluir é importante observar que a academia ainda é um espaço de dinossauros morais. Na minha modesta opinião, certos setores da academia são tão arcaicos, estéreis e autocentrados que simplesmente esqueceram que existe um mundo em ebulição à sua volta. A cultura está vivendo uma das revoluções mais dramáticas, para o bem ou para o mal, nesse exato momento e eles não conseguem enxergar além de seus pés ou de suas teorias herméticas importadas. É da academia, local que pretensamente agrega as grandes mentes pensantes de nossa época, que deveria vir a revolução, ali deveriam surgir as idéias criativas que poderiam mudar o mundo, transformá-lo, mas de modo geral a academia é um espaço estanque, salvo raras exceções o que temos é um espaço de elevação de egos intelectuais pequeno burgueses! Eu amo estar na academia pelo contato com as mentes jovens, em ebulição, conviver com elas antes de serem envenenadas pelos “túneis de realidade teórica” desses acadêmicos acorrentados é uma dádiva. Eu me surpreendo com a experiência e capacidade criativa das mentes de muitos estudantes que me cercam, com idéias genuínas e cheias de amor pela espécie e pelo planeta. Eu dialogo com eles, é por eles e pra eles que permaneço na academia. É claro que tenho alguns colegas acadêmicos admiráveis que fogem a esse estereótipo e que lutam de mãos dadas comigo por uma mudança basal naquilo que entendemos por academia. Você, amigo Ademir e a amiga Ligia Carvalho estão certamente incluídos nesse grupo!
AL: Um dos cernes de sua produção é a questão da imagem. Qual sua opinião acerca da tese que Giovanni Sartori expôs no livro “Homo Videns – Televisão e pós-pensamento”, onde ele afirma que a era da imagem, centrada na TV, está transformando o ser humano de homo sapiens, o homem sábio, um animal simbólico, em homo videns, um animal vidente, que simplesmente olha, sem problematizar o que vê?
EF: Eu não conheço o livro, portanto não poderei comentar mais detidamente a argumentação do autor, mas tentarei tratar de maneira geral a questão. A mim me parece mais um temor milenarista desse teórico que continua muito arraigado à cultura da língua escrita como a forma basal “de cultura verdadeira”. Alguns setores radicais das academias européias odeiam as imagens, inclusive muitos livros de teóricos da imagem e da fotografia, principalmente franceses, simplesmente não incluem imagens! Isso chega a ser paradoxal. Já cansei de ouvir alguns colegas da área de letras dizerem que os quadrinhos são bons sim, pois eles podem levar o jovem leitor a “avançar nos caminhos da leitura e chegarem à literatura”, isso é uma afirmação preconceituosa, corporativa e tacanha! Estão dizendo nas entrelinhas que a literatura sim é uma forma de cultura verdadeira e “essas coisas menores como os quadrinhos são apenas bons trampolins para chegarmos à arte literária”. Pois esses detratores da imagem, defensores milenaristas da linguagem escrita estão se sentindo MUITO ameaçados com o avanço da produção imagética na sociedade e cultura contemporânea, eles não têm ferramentas para analisar as novas formas de percepção da informação e cognição das imagens. Eles estão isolados num canto, percebem que tudo o que disseram perdeu o sentido no novo universo midiático convergente, no qual o texto convive e integra-se à imagem estática, imagem em movimento, som, hiperconectividade, mobilidade. Ao invés de buscarem entender esse fenômeno eles irão lutar contra ele, uma luta inglória, coitados, pois enquanto eles estão tentando defender a linguagem escrita dialogando com seus poucos pares na academia, bilhões de seres humanos estão navegando na teia complexa convergente de imagens através do globo. Os processos de navegação hipermidiáticos, baseados na multilinearidade, simulam nosso processo de pensamento e são muito sedutores! Mas eu discordo da teoria de que os jovens não problematizam, recebo alunos muito inteligentes na universidade todos os dias, só que a forma de absorção da informação - suas relações cognitivas com o mundo - são muito diferentes das de seus professores ainda baseadas na linguagem escrita. Vejo muitos colegas furiosos por seus alunos não conseguirem ler um livro completo, eles os acusam de vazios e perdidos simplesmente porque o paradigma de construção do conhecimento desses jovens é diferente do deles, ou seja, a grande maioria dos professores é totalmente inapta a lidar com essa nova geração “hipermidiatizada”.
Ligia Carvalho: Abstraindo um pouco mais, no “Artlectos e Pós-humanos” observamos um profundo pessimismo quanto ao futuro da humanidade. Isto é tão marcante que a própria verticalidade dos traços cria pontos de fuga que fazem o olhar do leitor "escorregar", constantemente, para o vazio, ou seja, induz sua percepção ao nada representado pela ausência de requadro. Embora ficcional, esse universo do futuro, fala do presente, alertando para o fato de que as  possibilidades ilimitadas originam um "nada" existencial, uma vez que vida e morte se perdem, pois a única coisa que conta é a satisfação de si mesmo, do prazer a qualquer custo. Em suma, você acredita que o "apocalipse humano" é inevitável?
EF: A série de revistas em quadrinhos “Artlectos e Pós-humanos” terá seu quinto número publicado pela editora Marca de Fantasia em breve. Já são mais de 150 páginas de quadrinhos, HQs curtas que questionam assuntos seminais envolvendo o homem atual e sua relação com os processos tecnológicos. Para realizar essas reflexões criei um mundo ficcional, onde realizo um deslocamento conceitual, situando o planeta Terra num futuro em que todas as proposições prospectivas da biotecnologia, telemática, robótica e nanoengenharia tornaram-se realidade e o mundo vive agora sob a égide de três espécies, os tecnogenéticos – fruto da hibridização entre humano, animal e vegetal; os extropianos – organismos abiológicos, seres humanos que transplantaram sua consciência para chips de silício; e os resistentes, humanos tradicionais que resistem a essas mudanças e estão em processo de extinção. Nessas mais de 150 páginas incluo muitas HQs distópicas (pessimistas) em que demonstro minha desilusão para com certos processos tecnológicos regidos pelos interesses do capital. Com certeza nos números que leu da revista estas HQs foram as que mais te marcaram, e sua interpretação sobre a indução de uma percepção de vazio me parece muito sensível, denota um verdadeiro mergulho em meu trabalho. No entanto existem muitas HQs da série que apontam para uma possibilidade de revertermos essa tendência entrópica de falência total de nossa espécie, na realidade eu ainda acredito que o aspecto luminoso do ser humano prevalecerá, eu acredito na força do amor incondicional e na capacidade dele revigorar-se no seio da cultura humana e fazer-nos voltar a compreendermos nossa dimensão cósmica, nossa ligação simbiótica com a natureza e com o grande organismo vivo chamado Gaia, a mãe Terra. Mas penso que a nossa cultura atual baseada no consumo, no egocentrismo e na busca de prazeres instantâneos certamente viverá um colapso. O matemático Vernon Vinge chama esse colapso cultural-tecnológico de o momento da “singularidade”. Para mim a consequência principal desse colapso será uma implosão dos valores que regem as sociedades humanas para a emergência de novos valores baseados no amor incondicional. Você pode chamar esse colapso de apocalipse, pois essa imagem já se tornou um arquétipo, mas eu prefiro a metáfora solar de que chegaremos ao crepúsculo de uma era, necessária para o processo alquímico de maturação cósmica de nossa espécie, e emergiremos em uma nova aurora. Quando esse colapso ocorrerá? Difícil dizer, mas arrisco imaginar, segundo as previsões de tantos biólogos, etnobotânicos, físicos, climatólogos e matemáticos, e também segundo minha percepção e intuição, que ele se aproxima, talvez dentro dos próximos 50-80 anos, ou até antes.


AL: O senhor propõe um mundo futurista onde homens se amalgamam com animais e máquinas. Toda grande ficção científica é um comentário acerca do presente. É possível identificar hoje aspectos pós-humanos na humanidade?

EF: Venho recolhendo reportagens em sites de divulgação científica e tecnológica há cerca de dez anos, são descobertas e invenções impressionantes que denotam claramente esse momento de transição em que vivemos. Infelizmente poucas dessas notícias chegam aos grandes veículos de imprensa que continuam interessados em discutir as nulidades ligadas às pseudo-personalidades e mostrar a miséria humana em catástrofes que dão audiência para que continuem despejando toneladas de publicidade vagabunda das grandes corporações. Trustes globais interessados em vender seus produtos tecnologicamente obsoletos - como 90% dos carros que ainda utilizam combustível fóssil apesar do evidente aquecimento global e da existência de muitas tecnologias limpas!

Essas notícias tornam-se notas de rodapé curiosas ou são ignoradas pelas mídias massivas, no entanto, na Internet podemos nos assustar com a divulgação desses feitos que desestruturam nossas concepções éticas. Vejamos alguns exemplos: Em 2007 nos Estados Unidos foi produzida uma ovelha com 15% de genética humana, também em 2007 a empresa de biotecnologia norte americana Allerca começou a comercializar gatos e cães transgênicos e antialérgicos, em 2008 eles colocaram no mercado um novo animal de estimação transgênico, o Ashera Cat, cruzamento biotecnológico de um leopardo asiático com gato doméstico. Em 2009 cientistas japoneses conseguiram fazer crescer dentes em ratos adultos, em 2010 pesquisadores canadenses criaram uma córnea artificial que substitui a córnea humana e não apresentou rejeições. Desde 2003 os transplantes de extremidades como mãos, braços e face começaram a se tornar uma prática cirúrgica experimental em países como França e EUA. Já existe um aparelho comercializável através do qual você pode controlar um computador com as ondas cerebrais. E isso é só a ponta do Iceberg, faça uma busca nos sites de tecnologia e ficará estupefato. Eu diria que essas revoluções tecnológicas tem um espectro muito profundo, pois elas avançam sobre a teia da cultura e sobre as bases daquilo que entendemos como “humano”, então acredito que vivemos uma era transumana, momento de transição entre o humano e o pós-humano. O meu mundo ficcional da “Aurora Pós-humana” é a ambientação fantástica que uso para refletir sobre essas questões.
AL: Sua produção quadrinhística é autoral, vanguardista. Porém, no livro “HQtrônicas” o senhor comenta em diversos momentos personagens do mainstream como Super-Homem, Batman e Homem de Ferro. Qual sua relação com esse tipo de produção? É um leitor? Já foi?
EF: Sinceramente, nunca tive grande interesse pela produção mainstream. Quando comecei a ler quadrinhos, no final da infância, saltei do gênero infantil para as HQs de horror, eu até tentei ler os super-heróis mas aquilo me soava meio falso, chato. Meus colegas que liam quadrinhos à época não entendiam nada, pois eu gostava de gibis em preto e branco como as revistas de autores brasileiros “Mestres do Terror” e “Calafrio”, eu me recusava a ler os super-heróis. E resisti a eles por muitos anos, com exceção de um que era um na verdade “herói”, o Conan, pois suas histórias envolviam um mundo ficcional que inclua aspectos de espada, magia, horror e aventura que me interessavam muito, além de algumas artes em preto e branco que me marcaram, como a arte final de Alfredo Alcala. Só fui voltar a ler super-heróis no período áureo das “graphic novels” da década de 1980. HQs autorais onde o nome do artista tinha a mesma importância que o da personagem, trabalhos de Frank Miller, Alan Moore, Grant Morrison, entre outros. Em minha pesquisa sobre as HQtrônicas e a relação entre quadrinhos e computador foi impossível não tratar de alguns trabalhos mainstream pelo uso pioneiro que fizeram de algumas novas tecnologias.
AL: De modo geral, o que acha das adaptações cinematográficas de HQ’s?
EF: É muito importante ressaltar que as histórias em quadrinhos são uma forma de expressão única, com características específicas e inexistentes em nenhuma outra forma de expressão artística! Uma dessas características eu batizei de “percepção visual global”, trata-se da convivência, em um mesmo golpe de vista, dos tempos: passado, presente e futuro da narrativa; pois quando você está lendo o texto em um quadrinho sua visão periférica continua vislumbrando os quadrinhos do passado da narrativa e os do futuro da narrativa. Isso não acontece em nenhuma outra forma de expressão, no cinema e na animação a ação acontece em fluxo contínuo temporal. Esse é apenas um dos exemplos das características singulares das HQs, é por isso que alguns quadrinhistas simplesmente abominam as adaptações cinematográficas de suas obras, a exemplo de Alan Moore. O fato é que muito da tensão narrativa e simbolismo criado para os quadrinhos se perde na transposição para um outro meio como o cinema. Mas não sou contra essas adaptações, até gosto muito de algumas delas, o importante é termos a percepção clara de que uma adaptação nunca conseguirá trazer todas as características de uma HQ, simplesmente porque isso é impossível!

Sites do Artista Edgar Franco:


Posthuman Tantra no Myspace (ouça faixas e veja vídeos): www.myspace.com/posthumantantras  

Canal Youtube do Posthuman Tantra (assista aos 5 vídeos oficiais da banda):
     
NeoMaso Prometeu (HQtrônica que recebeu menção honrosa no Festival Videobrasil): http://www.cap.eca.usp.br/wawrwt/neomaso/index.html
   
Comunidade Orkut do POSTHUMAN TANTRA: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=32945678

Ritualart (site pessoal - HQs, Entrevista, Ilustrações, poemas - está desatualizado a nova versão está sendo desenvolvida): www.ritualart.net

O Mito Ômega (web arte envolvendo vida artoficial): www.mitomega.com

Freakpedia ( Web arte: a verdadeira enciclopédia livre): www.freakpedia.org


Abril de 2011




1 comentários:

Danielle Barros Fortuna disse...

Uau! um gênio entre nós! adorei!!!

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